domingo, agosto 20, 2023

Doce lágrima

Agora foste tu, chão de todas as mulheres que somos. Mudaste teu estado de vida discretamente, como o teu gozo. Embora tão intenso, a marca que deixaste é delicada. Incapaz de machucar, engoliste o mundo a seco, embora bêbado. Embora ébrio, sóbrio. O que é meu que é teu também? Algo tipo tudo. Mudaste pro meu canto, enfim. Silenciaste o corpo de mansinho deixando nesta casa o teu legado a tantos. Sigamos.

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

estado de desespera

nunca esperei por ti. não podia esperar. sequer imaginar. 

acontecemos. muita sorte. vida boa. que segue...


J Carlos

É bom ter o olhar de alguém que te lambe ao lado, alguém para quem a flor se abre. A beleza desse olhar, dure o tempo que durar, deixa suas marcas por um tempo impreciso.

24/01/2023

sexta-feira, março 13, 2020

ponto de poder


     Numa segunda-feira ensolarada de julho, última semana das férias que já duraram pouco, a menina mulher caminhava com os olhos do espírito colados em cada passo dado, agarrada desesperadamente no movimento do próprio corpo, nas batidas pálidas do seu coração, em cada ar escorregando narina adentro, brotando nos alvéolos do pulmão. Era preciso voltar-se para si sem concessões, à luz do azul infinito.
     O que poderia ter maior poder sobre sua vida naquele momento, senão o que sempre a mesmerizou: o sonho do amor romântico. Caminhava em sonho, mas, na manhã de hoje, em sonho de colocar um ponto final. Um ponto final. Ponto. Um ponto final. Queria ter algum poder, ao menos algum poder que pudesse, talvez, revelar o seu poder naquela história falida. Achava que tinha algum poder. Achava que dominava, achava que o que tinha acontecido acontecia por seu poder. Ao sonhar com um ponto final, na manhã de hoje, ela pensava poder fazer isso. Um ponto final.
     Um ponto final resolveria tudo. Resolveria seu problema. Iria lhe assegurar que a história lhe pertencia. Seria sua autora. Dona da história, criaria um final para que pudesse pôr fim, de uma vez por todas, a todas as suas esperas sem fim. Esperas alimentadas por um amor mal resolvido do lado de lá. Ia assim, sonhando, enquanto caminhava agarrada ao seu corpo, sôfrega, alienada.
    “Do lado de lá”, pensou, “será que faz sentido?”. Achava que a paz e a alegria existentes do lado de lá, segundo se contava, eram sustentadas pelas suas entregas periódicas, insuflantes, animadoras, estimulantes. Ao mesmo tempo, sabia, lá no fundo, que tudo não passava de um sonho, ou melhor, de uma especulação edulcorada. Mas, ousada, insistia. Insistia em ser romântica. O ser amado poderia ter todas as qualidades mas, se não fosse seu, as perderia. Tinha esse poder de arrancar qualidades do mundo e não sabia direito. Não sabia direito que o poder que tinha era o de tornar o mundo um lugar encantador. Esse era o seu lado menina, composto por vários outros lados, sendo um deles o lado birrento e, um dos outros, o encantador.
     O seu lado mulher era afável, condescendente, compreensivo, apaziguador. Um pouco envelhecido, pois moralmente descrente. Nada ia bem, fora dos corações apaixonados. Ao nascer, um tio-avô disse à sua mãe: “essa é filha de Nanã Buruquê”.

Mente sã

Em brasa
O mato arde
E eu me mordo

quinta-feira, dezembro 21, 2017

ocupa eu

vou me ocupar de me desocupar do que anda me preocupando. sem dinheiro vou viver o ano inteiro ocupando corações desocupados que tenham todo o tempo do mundo para me querer sem ousar me ter. quem ousar, vai ter que pagar. por outro lado, a quem me paga para que eu me ocupe não devo nada. só devo a quem me ocupa de graça. ô, inferno! pagando a coisa fica sem vergonha: é toma lá, dá cá. de graça, é dá cá e toma lá. dar ou não dar de graça, eis a questão. a questão toda é: estão pagando pelo quê? para eu me ocupar em ser uma. dinheiro é solução? sem dúvida. o problema... são os outros!

domingo, novembro 29, 2015

poema de extensão

Projeto de Transas - PROTRANS-MEC 2016
POLIMIX - renovação urbana e economia solidária na Praça Tiradentes
Justificativa:

Praça Tiradentes. Polimix. Caminhão de concretagem. Três horas da manhã. Tarde, ainda. Polimix. - Aí, olha isso: Polimix. Foto, riso, foto, foto, cu, bunda, peito. Polimix! Polimix! Polimix! Permissão Estendida. Projeto de extensão. Permissão estendida. Para fora e para dentro. Uma transa. Projeto de transas.
Coordenadora: Mme. Fanny, Laboratório Miami Bitch-UFRUA (Universidade Federal da Rua).

domingo, junho 28, 2015

O exílio

Preciso dar um passo atrás, bem atrás do que vivi para alcançar o que sei, não o que conheci. O exílio dos brasileiros durante a ditadura é duração que me intriga, é referência para a minha geração e para a geração de meus alunos. Tenho 40 anos e faço 41 nesse 2015. Papai acha que o período militar foi tempo de progresso no país. Ele, jovem pai de 4 crianças, engenheiro, cumpridor de suas tarefas. Política era outro assunto. Papai sempre foi técnico. E amoroso a seu modo. Lacônico, pragmático. Segundo mamãe, omisso. "Nunca trocou uma fralda", ela diz. E no entanto os dois vivem juntos há 50 anos, nesse 2015. Recentemente vi os dois comemorarem as bodas de ouro em uma capelinha na cidade de Conservatória. Chorei naquela noite ao ver meus pais se casarem 50 anos depois, com filhos e netos, todos frequentadores das dificuldades de todo e qualquer relacionamento. Todos ali. Essa é a minha história. Singela.

Mas a ditadura. Quando ouvi falar dela pela primeira vez acho que foi dentro de casa e na voz de papai. Se não foi isso, ok, mas foi isso o que até hoje é um marco para mim: papai falando da ditadura como um apoiador daquele período em que ele, provedor, pai de família, engenheiro, achava que levara uma vida mais tranquila em um período "insustentável", de tantas perturbações no mundo da política, esse mundo que ele não frequenta, a não ser para apoiar, de tempos em tempos, um ou outro candidato através do voto depositado numa urna.

Hoje vi o filme "Em teu nome". Pensei nos meus colegas, professores do instituto onde trabalho. Parecia que o filme falava da trajetória deles como exilados. Parecia que o filme falava do germe dos cursos onde leciono (planejamento urbano e gestão pública para o desenvolvimento econômico e social). Esse filme sai do Brasil, vai para o Chile; sai do Chile, vai para a Argélia; sai da Argélia, vai para a França; e da França, sai para voltar ao Brasil.

O exílio. O exílio sofrido, o exílio vivido. Quem mais bem falou dele para mim em todos os tempos foi Paulo Freire. Aquém de todo e qualquer estereótipo que desde então passou a ser construído sobre as experiências naquelas circunstâncias, Paulo Freire escreveu:

"Me parece oportuno salientar que cada exilado reage, sofre, cresce, supera dificuldades de forma diferente. Cada exilado experimenta o exílio à sua maneira. Só uma coisa é igual para todos os exilados e exiladas: estarem ou encontrarem-se num contexto de empréstimo, longe de seu contexto original." ('Gestão democrática', in À sombra desta mangueira, p.87).

Meus alunos sempre transformam os momentos atuais de grande contestação política em arremedos da época ditatorial, sobretudo através de referências estéticas. Aquele foi mesmo um grande momento, em vários aspectos. Mas me causa certo desconforto esquecer o presente. Não ver o presente e não vivê-lo plenamente com a sua estética própria, ainda que seja necessário criá-la.

Eis um legado da glória combativa de meus compatriotas que, ressignificado, me causa tristeza. Estaríamos vivendo um vazio, necessitando "repaginar" experiências do passado para legitimar - mais do que dar sentido, legitimar - as experiências contemporâneas? Por que acionar o legado do período ditatorial para falar das mazelas do hoje, do aqui e do agora?

Não vou pegar em armas. Não posso dizer o que faria se estivesse vivendo os ditos anos rebeldes, posso inventar uma resposta e mudá-la amanhã, se quiser. Não é essa a questão. A questão é: há pobreza estética nos dias de hoje? Sim. O mercado visibiliza essa miséria, embora haja riquezas muitas por aí, justamente onde não existe a pretensão da universalidade ontológica. A estética atual é uma autopsicanálise insossa que, ao alcançar meus sentidos, faz com que eu me sinta fora do meu tempo.

Sei lá. Será que isso me torna vulnerável? Não saber o que mais dizer, a não ser esse incômodo com as formas de representação da suposta rebeldia atual? Exílio.

quinta-feira, junho 25, 2015

Feminismo radical

Saber que o homem brocha, e enternecer-se.